Era só mais um dia, como todos os outros. O expediente tinha
corrido bem e agora ela só queria um drink, um flerte e talvez até um sexo
casual para fechar aquela sexta-feira bem. Ela sabia que era disso que
precisava para apagar momentaneamente a saudade. Afinal era linda,
independente, bem sucedida, quase a nega 1100 da música do Seu Jorge, com a
diferença de ser loura e morar numa cobertura.
Cumprimentou a faxineira com um beijo estalado, e recomendou
que ela não ficasse até tarde trabalhando, só tirasse o lixo do escritório e
fosse pra casa. Afinal era sexta-feira e ela adorava a Dona Rosa. Saiu para o
estacionamento desfilando e arrancando olhares gulosos dos funcionários que
sempre babavam quando a chefe passava. Definitivamente ela era um espetáculo de
mulher, linda, inteligente, educada, querida por todos. O tipo de mulher que
você apresenta pra sua mãe como a mulher da sua vida. E realmente ela seria a
mulher da vida de qualquer um.
Mas ela era a nega da música e não dava mole pra qualquer
um, e também tinha a suas preferencias, resumindo a opera; os branquelos do
escritório não tinham a menor chance com ela. Ela gostava do seu avesso, sempre
gostou. Era a patricinha que sempre se encantava por caras de renda menor, mas
caráter inigualável. Gostava de negros e não tinha vergonha de dizer, não tinha
vergonha de sentir saudade.
Sentia falta do cara com jeitão de moleque, barba por fazer,
sorriso fácil e nem um pouco de interesse nos bens que ela tinha. Mas ele não
era pra ela, pensar assim a confortava. Ele dizia que não podia mudar, que
gostava de ser daquele jeito simples, que usar uma gravata quando necessário
pra acompanha-la a algum coquetel era aceitável, mas que não podia mudar a vida
toda, e usar roupas que não lhe faziam sentir-se bem só pra agrada-la. Que se
ele mudasse, ela o deixaria por não ser mais o cara por quem ela se apaixonou.
Entrou no carro e respirou fundo. Viu a foto dele quase
caindo do porta-luvas junto a um maço de cigarros que ele nunca chegou a fumar,
mas que ela conservava caso ele retornasse ao vicio. Aqueles dias sem ele
tinham se tornado um inferno, e pra piorar sabia que ele iria fazer o que
pudesse pra não ligar, que iria voltar fumar, escrever feito um louco, e como
ele escrevia bem, se afundar ao som das bandas de rock do pub que ele amava e
ela odiava. Ele iria se virar, como sempre, mesmo sofrendo o diabo não
permitiria que ela o visse de cima. Sempre foi orgulhoso e ela então nem se
fala.
Ligou o carro, beijou a foto e dirigiu-se para o bar, as
amigas já estavam lá, essa noite teria blood-mary e samba, quem sabe era disso
que ela precisava.
O bar estava movimentado como se era de esperar, e as amigas
já deveriam estar lá pela terceira rodada de cerveja e na segunda dose de
tequila, ela nunca foi de baladas, mas as amigas eram outra história, alias
estava ali por conta de muita insistência delas. Disseram que a noite seria
especial, épica, que ficaria na memória para sempre, que ela não se
arrependeria. Foram tantos argumentos, aliados a maldita saudade que ela não
teve como inventar uma desculpa plausível para não ir, elas falaram que seria
inesquecível, que ela não se arrependeria, e elas nunca estiveram tão certas.
Não demorou muito
para achar a mesa das meninas, sentou-se e fez sinal para o garçom se
aproximar, queria um blood-mary caprichado na vodca. As amigas esperaram a sua
bebida chegar e fizeram um brinde a qualquer coisa que ela não se interessou em
ouvir, apenas ergueu o copo desejando saúde. Elas estavam aprontando alguma
coisa, podia sentir no ar o cheiro de armação, mas fosse o que fosse não daria
certo. Ao dar o primeiro gole percebeu que a parte do caprichado na vodca foi
muito bem entendida. Exatamente como ela queria.
As meninas resolveram que era hora de ir pra pista, que era
hora de dançar, de tirar aquela cara azeda dela por algum tempo. Meio a contra
gosto as acompanhou, e começou a dançar, gostava de dançar, se sentia em outro
universo, era puro instinto, uma nova espécie que não poderia ser decifrada.
Não era da bebida que ela precisava, ela precisava dançar, cair no samba, e
exorcizar todos os seus demônios internos.
E ela dançou, como se o mundo fosse acabar depois da ultima
canção, afinal se acabasse ela estaria feliz. Lá pela décima musica já estava
mais leve que o éter, já estava sorrindo, já estava leve, nem sentia mais os
pés tocando o solo. Mas ao fim da música algo veio para lhe jogar no chão, lhe
tirar a paz. Não saberia dizer se era a voz, a imagem, o cheiro ou tudo isso
junto.
O cantor disse que tinha uma participação especial, um amigo
que era de outra tribo, que era de outro ritmo, mas que hoje ia mudar até o
próprio nome se preciso fosse, as meninas estavam sorrindo, como se soubessem o
que iria acontecer depois. Foram as palavras do cantor que a seguraram pela perna,
e as do convidado as puxaram, não sabe se pro chão ou pro colo, tudo que ela
pode lembrar depois foi:
_ Bem, esse não é o meu ritmo, não é a minha tribo, e muito
menos o meu lugar. Mas longe dela também não é. E pra ficar com ela, nela e ser
dela, eu mudo o meu nome, Amor muito prazer, essa noite eu sou o samba, o seu
samba.
Ela não sabe se estava com a boca na dele, antes ou depois
da música acabar. Na verdade pouco importava, a música acabou, mas a noite pra
ela estava apenas começando, a vida estava apenas começando, e desta vez ela
não deixaria de ter o seu final feliz.

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