No lounge...

Ver tantas pessoas vazias transitando de lá para cá, era como assistir
um filme mudo dos anos vinte. Nada mudava naquela paisagem nostálgica,
mesmo dali, sentado observando do seu canto mal iluminado no lounge o
vai e vem das multidões.
A droga do voo iria atrasar mais de uma
hora, e ele não tinha a menor vontade de subir no avião sóbrio. Não
mais, não depois que ela se fora, a vida foi uma verdadeira vadia sem
piedade com ele. Esperou ele estar no auge pra lhe dar uma pancada no
meio das pernas, e derruba-lo em pleno voo.
Droga, eles estavam
bem, ela tinha ganhado a tão sonhada promoção, estava flutuando, ele
tinha escrito um best-seller, finalmente seu livro tinha saído das
prateleiras mofadas das livrarias e tinha virado febre, e diabos, que
febre eles viraram. As mulheres amavam, os homens amavam, e até os
adolescentes amavam. Falava de sacanagem, sacanagem da boa, não era o
que ele considerava um bom livro, porque não era ficção, mas quando
apresentou ao editor, foi amor à primeira vista. Em menos de um mês já
estava nas prateleiras de tudo quanto é livraria da moda.
Em
quatro meses recebeu a proposta de transformar o livro em filme, todos
os seus outros livros tiveram a tiragem estourada, ele havia se tornado
uma máquina de vender. Isso porque resolveu depois de dar uma trepada
homérica com a mulher de sua vida escrever sem fantasiar a história
deles.
Tinha posto praticamente metade do livro no papel, ainda
pelado, ainda sentindo a leve dor que as unhas delas tinham marcado na
sua pele. O original tinha cheiro de sexo, cigarro, whisky e incenso,
era um texto sobre a vida de duas pessoas opostas que tinham nada em
comum, mas adoravam a foda do outro. Era um texto sobre ela, e ela
sabia que era sobre ela, quando ela leu o original, soube que era sobre
ela, sentiu que cada palavra era sobre ela. Disse-lhe entre uma tragada
do cigarro dele enquanto lia.
- Essa porra, é sobre nós. Mas vai vender pra caralho, o povo adora putaria.
Mas como tinha dito antes a vida é uma vadia, e naquele maldito café
da moda que ela insistira que ele precisava conhecer, aconteceu o que
fodeu com a vida do mais novo criador de clássicos do novo século.
Depois de tomar um café que na opinião dele tinha gosto de agua suja,
autografar meia centena de livros e pedaços de papel, eles saíram pra
rua, estavam esperando o manobrista buscar o carro, quando um idiota
perdeu o controle do carro e a atropelou, a grudou contra a amurada que
circundava o café. Ele só teve tempo de ouvi-la dizer, para que ele não
se metesse em confusão (como se sem ela fosse possível), que cuidasse
das suas flores.
Foi assim que ele a perdeu, dessa maneira tosca,
sem poder dizer adeus, sem poder ter o calor da sua pele mais uma vez.
Depois disso ele se lembra de flashes dessa noite, lembrava-se de ter
arrancado o motorista bêbado do banco e soca-lo até que suas mãos
ficassem dormentes, lembrava-se de ter batido em alguém que tentou
tira-lo de cima do homem. Depois lhe contaram que foram necessários
quatro homens grandes para tira-lo de lá, aos berros, descontrolado como
um demônio numa garrafa.
E agora lá estava ele, esperando a porra
do avião para visitar o jardim particular que ele mandou construir para
ser a morada eterna das cinzas de sua amada. Resolveu mantê-la num lugar
que ela certamente amaria. Entre as flores; begônias, lírios, rosas,
orquídeas e violetas.
Ficava na sua antiga casa, a casa que por
conta dos livros, ele não mais conseguia morar, a casa aonde ele ia até o
jardim sempre que escrevia um novo livro, só para pedir a opinião dela.
Os livros tinham adquirido um tom sombrio, pesado, cheio de amor, e
dor.
Mas isso vendia tão bem quanto putaria. Escrevia coisas tão
inebriantes quanto à bebida que ele estava tomando agora. O Bourbon
escuro que lhe mantinha de pé, posto que vivo era uma palavra que ele já
não podia mais usar.
Mas diabos ele tinha um novo livro, um bom
livro, um livro que contava uma história deles, de quando eles quase
foram presos por atentado ao pudor, de quando eles ficaram presos
completamente pelados, na varanda daquele hotel em Veneza. Era um livro
sobre ela, e ele queria saber se ela ainda achava que putaria vendia
bem.
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