sábado, 7 de dezembro de 2013

Por Quanto se Ajuda?




Li um caso hoje de verdadeira ajuda, de um cara qualquer, com uma vida normal, que fez a diferença, que mudou o destino de um moleque, mas um moleque destes de rua como tantos outros, e não ele não pegou esse moleque e levou pra casa, deu estudo, casa, comida e roupa lavada. Não esse cara comum fez mais, ele deu um sonho, ele deu esperança não só para o moleque, mas pra todo um conjunto de pessoas que leram o seu relato, em determinada parte do discurso a lá meu pé de laranja lima, o moleque, aquele de rua, que cheira cola pra tentar espantar a fome, que não come a dois dias, que provavelmente não tem nome. Ele diz que tem um sonho que nunca poderá realizar, que  sonha em ir ao cinema, escolher o lugar, sentar na poltrona macia. E é ai que o cara qualquer, mudou o destino desse moleque pra sempre, ele já tinha dado de comer ao moleque, a um moleque qualquer como tantos outros, ele já tinha dado dialogo que com toda certeza era algo que o moleque não tinha, mas velho, faltava algo, algo que pra nós é tão corriqueiro, faltava o sonho, e hei, o cara foi lá e deu o sonho do moleque, pegou o moleque pela mão e disse, seu sonho é um cinema, vamos lá. E até aqui parece a caridade que eu tanto desprezo, mas o que mudou, é forma do relato, do jeito maravilhado com que aquela criança ficou por um total desconhecido que não tinha nenhum dever para com ele, se importar, alimentar, lhe dar seu sonho, e falar semana que vem tem mais. Ainda parece caridade não é? Mas eu percebi a diferença hoje, depois e tantos anos, detestando caridade, eu percebi o porquê, o porquê da apatia, do descontentamento quanto ao ato. Quando você faz caridade, você só está afirmando que a pessoa, não vai sair daquela situação porque sempre terá alguém pra lhe oferecer algo, mas quando você ajuda, você da algo mais primoroso, você vende sonhos, e meu irmão vender sonhos, não é para os fracos.
Imagine a seguinte situação, você foi e deu algo que a pessoa nunca teve, e eu não estou falando desses programas medíocres do governo, bolsa esmola, e o cacete a quatro, eu estou falando de dignidade, de você chegar pra pessoa e dar o que ela realmente nunca teve, você pode pensar que isso não mudou em nada a vida dessa pessoa, mas meu caro, você acabou de mudar um mundo inteiro, você abriu uma perspectiva de vida, de esperança pra alguém, de que se ela batalhar, lutar e seguir o mesmo exemplo que você, ela pode ter um futuro descente, algo que ela possa se orgulhar. A dignidade constrói por si só uma ponte adamantina. Pessoas são como argila, você pode molda-las para serem o que você quiser, mas é somente quando você as lança no fogo, é que elas se tornam uma obra prima. E neste caso o fogo é a dignidade de trata-las como iguais, e oferecer o que o mundo cruelmente lhes roubou: Sonhos.

sábado, 14 de setembro de 2013

No lounge...



Ver tantas pessoas vazias transitando de lá para cá, era como assistir um filme mudo dos anos vinte. Nada mudava naquela paisagem nostálgica, mesmo dali, sentado observando do seu canto mal iluminado no lounge o vai e vem das multidões.
A droga do voo iria atrasar mais de uma hora, e ele não tinha a menor vontade de subir no avião sóbrio. Não mais, não depois que ela se fora, a vida foi uma verdadeira vadia sem piedade com ele. Esperou ele estar no auge pra lhe dar uma pancada no meio das pernas, e derruba-lo em pleno voo.
Droga, eles estavam bem, ela tinha ganhado a tão sonhada promoção, estava flutuando, ele tinha escrito um best-seller, finalmente seu livro tinha saído das prateleiras mofadas das livrarias e tinha virado febre, e diabos, que febre eles viraram. As mulheres amavam, os homens amavam, e até os adolescentes amavam. Falava de sacanagem, sacanagem da boa, não era o que ele considerava um bom livro, porque não era ficção, mas quando apresentou ao editor, foi amor à primeira vista. Em menos de um mês já estava nas prateleiras de tudo quanto é livraria da moda.
Em quatro meses recebeu a proposta de transformar o livro em filme, todos os seus outros livros tiveram a tiragem estourada, ele havia se tornado uma máquina de vender. Isso porque resolveu depois de dar uma trepada homérica com a mulher de sua vida escrever sem fantasiar a história deles.
Tinha posto praticamente metade do livro no papel, ainda pelado, ainda sentindo a leve dor que as unhas delas tinham marcado na sua pele. O original tinha cheiro de sexo, cigarro, whisky e incenso, era um texto sobre a vida de duas pessoas opostas que tinham nada em comum, mas adoravam a foda do outro. Era um texto sobre ela, e ela sabia que era sobre ela, quando ela leu o original, soube que era sobre ela, sentiu que cada palavra era sobre ela. Disse-lhe entre uma tragada do cigarro dele enquanto lia.
- Essa porra, é sobre nós. Mas vai vender pra caralho, o povo adora putaria.
Mas como tinha dito antes a vida é uma vadia, e naquele maldito café da moda que ela insistira que ele precisava conhecer, aconteceu o que fodeu com a vida do mais novo criador de clássicos do novo século.
Depois de tomar um café que na opinião dele tinha gosto de agua suja, autografar meia centena de livros e pedaços de papel, eles saíram pra rua, estavam esperando o manobrista buscar o carro, quando um idiota perdeu o controle do carro e a atropelou, a grudou contra a amurada que circundava o café. Ele só teve tempo de ouvi-la dizer, para que ele não se metesse em confusão (como se sem ela fosse possível), que cuidasse das suas flores.
Foi assim que ele a perdeu, dessa maneira tosca, sem poder dizer adeus, sem poder ter o calor da sua pele mais uma vez. Depois disso ele se lembra de flashes dessa noite, lembrava-se de ter arrancado o motorista bêbado do banco e soca-lo até que suas mãos ficassem dormentes, lembrava-se de ter batido em alguém que tentou tira-lo de cima do homem. Depois lhe contaram que foram necessários quatro homens grandes para tira-lo de lá, aos berros, descontrolado como um demônio numa garrafa.
E agora lá estava ele, esperando a porra do avião para visitar o jardim particular que ele mandou construir para ser a morada eterna das cinzas de sua amada. Resolveu mantê-la num lugar que ela certamente amaria. Entre as flores; begônias, lírios, rosas, orquídeas e violetas.
Ficava na sua antiga casa, a casa que por conta dos livros, ele não mais conseguia morar, a casa aonde ele ia até o jardim sempre que escrevia um novo livro, só para pedir a opinião dela. Os livros tinham adquirido um tom sombrio, pesado, cheio de amor, e dor.
Mas isso vendia tão bem quanto putaria. Escrevia coisas tão inebriantes quanto à bebida que ele estava tomando agora. O Bourbon escuro que lhe mantinha de pé, posto que vivo era uma palavra que ele já não podia mais usar.
Mas diabos ele tinha um novo livro, um bom livro, um livro que contava uma história deles, de quando eles quase foram presos por atentado ao pudor, de quando eles ficaram presos completamente pelados, na varanda daquele hotel em Veneza. Era um livro sobre ela, e ele queria saber se ela ainda achava que putaria vendia bem.

sábado, 10 de agosto de 2013

Muito prazer... Eu sou




Era só mais um dia, como todos os outros. O expediente tinha corrido bem e agora ela só queria um drink, um flerte e talvez até um sexo casual para fechar aquela sexta-feira bem. Ela sabia que era disso que precisava para apagar momentaneamente a saudade. Afinal era linda, independente, bem sucedida, quase a nega 1100 da música do Seu Jorge, com a diferença de ser loura e morar numa cobertura.
Cumprimentou a faxineira com um beijo estalado, e recomendou que ela não ficasse até tarde trabalhando, só tirasse o lixo do escritório e fosse pra casa. Afinal era sexta-feira e ela adorava a Dona Rosa. Saiu para o estacionamento desfilando e arrancando olhares gulosos dos funcionários que sempre babavam quando a chefe passava. Definitivamente ela era um espetáculo de mulher, linda, inteligente, educada, querida por todos. O tipo de mulher que você apresenta pra sua mãe como a mulher da sua vida. E realmente ela seria a mulher da vida de qualquer um.
Mas ela era a nega da música e não dava mole pra qualquer um, e também tinha a suas preferencias, resumindo a opera; os branquelos do escritório não tinham a menor chance com ela. Ela gostava do seu avesso, sempre gostou. Era a patricinha que sempre se encantava por caras de renda menor, mas caráter inigualável. Gostava de negros e não tinha vergonha de dizer, não tinha vergonha de sentir saudade.
Sentia falta do cara com jeitão de moleque, barba por fazer, sorriso fácil e nem um pouco de interesse nos bens que ela tinha. Mas ele não era pra ela, pensar assim a confortava. Ele dizia que não podia mudar, que gostava de ser daquele jeito simples, que usar uma gravata quando necessário pra acompanha-la a algum coquetel era aceitável, mas que não podia mudar a vida toda, e usar roupas que não lhe faziam sentir-se bem só pra agrada-la. Que se ele mudasse, ela o deixaria por não ser mais o cara por quem ela se apaixonou.
Entrou no carro e respirou fundo. Viu a foto dele quase caindo do porta-luvas junto a um maço de cigarros que ele nunca chegou a fumar, mas que ela conservava caso ele retornasse ao vicio. Aqueles dias sem ele tinham se tornado um inferno, e pra piorar sabia que ele iria fazer o que pudesse pra não ligar, que iria voltar fumar, escrever feito um louco, e como ele escrevia bem, se afundar ao som das bandas de rock do pub que ele amava e ela odiava. Ele iria se virar, como sempre, mesmo sofrendo o diabo não permitiria que ela o visse de cima. Sempre foi orgulhoso e ela então nem se fala.
Ligou o carro, beijou a foto e dirigiu-se para o bar, as amigas já estavam lá, essa noite teria blood-mary e samba, quem sabe era disso que ela precisava.
O bar estava movimentado como se era de esperar, e as amigas já deveriam estar lá pela terceira rodada de cerveja e na segunda dose de tequila, ela nunca foi de baladas, mas as amigas eram outra história, alias estava ali por conta de muita insistência delas. Disseram que a noite seria especial, épica, que ficaria na memória para sempre, que ela não se arrependeria. Foram tantos argumentos, aliados a maldita saudade que ela não teve como inventar uma desculpa plausível para não ir, elas falaram que seria inesquecível, que ela não se arrependeria, e elas nunca estiveram tão certas.
 Não demorou muito para achar a mesa das meninas, sentou-se e fez sinal para o garçom se aproximar, queria um blood-mary caprichado na vodca. As amigas esperaram a sua bebida chegar e fizeram um brinde a qualquer coisa que ela não se interessou em ouvir, apenas ergueu o copo desejando saúde. Elas estavam aprontando alguma coisa, podia sentir no ar o cheiro de armação, mas fosse o que fosse não daria certo. Ao dar o primeiro gole percebeu que a parte do caprichado na vodca foi muito bem entendida. Exatamente como ela queria.
As meninas resolveram que era hora de ir pra pista, que era hora de dançar, de tirar aquela cara azeda dela por algum tempo. Meio a contra gosto as acompanhou, e começou a dançar, gostava de dançar, se sentia em outro universo, era puro instinto, uma nova espécie que não poderia ser decifrada. Não era da bebida que ela precisava, ela precisava dançar, cair no samba, e exorcizar todos os seus demônios internos.
E ela dançou, como se o mundo fosse acabar depois da ultima canção, afinal se acabasse ela estaria feliz. Lá pela décima musica já estava mais leve que o éter, já estava sorrindo, já estava leve, nem sentia mais os pés tocando o solo. Mas ao fim da música algo veio para lhe jogar no chão, lhe tirar a paz. Não saberia dizer se era a voz, a imagem, o cheiro ou tudo isso junto.
O cantor disse que tinha uma participação especial, um amigo que era de outra tribo, que era de outro ritmo, mas que hoje ia mudar até o próprio nome se preciso fosse, as meninas estavam sorrindo, como se soubessem o que iria acontecer depois. Foram as palavras do cantor que a seguraram pela perna, e as do convidado as puxaram, não sabe se pro chão ou pro colo, tudo que ela pode lembrar depois foi:
_ Bem, esse não é o meu ritmo, não é a minha tribo, e muito menos o meu lugar. Mas longe dela também não é. E pra ficar com ela, nela e ser dela, eu mudo o meu nome, Amor muito prazer, essa noite eu sou o samba, o seu samba.
Ela não sabe se estava com a boca na dele, antes ou depois da música acabar. Na verdade pouco importava, a música acabou, mas a noite pra ela estava apenas começando, a vida estava apenas começando, e desta vez ela não deixaria de ter o seu final feliz.

Café Parisiense




Uma maldita segunda-feira chuvosa. Diabos, todos os músculos do seu corpo doíam, músculos que ele até desconhecia a existência. De quem foi mesmo a estúpida ideia de voltar a malhar? Ah claro foi dele mesmo. Agora estava mais quebrado que arroz de terceira, sentindo cada parte do seu corpo reclamar pelo menor movimento. A ideia era voltar a ficar em forma, mas ele se esqueceu de avisar ao instrutor de que não era de uma vez.
E pra terminar de foder com tudo estava sem livros pra ler no horário do almoço, aquele dia era uma anunciação de tragédia declarada. Começou suando na academia e ia terminar o dia pensando no cheiro de sua ex-mulher. Porque diabos ela tinha que ter um gosto tão bom para perfumes? Porque diabos ela tinha que ter partido daquela maneira?
Revirou as gavetas e achou um cigarro mentolado, era disso que precisava, acabar com os pulmões, seis meses sem fumar e justo no dia que voltou a malhar iria jogar tudo por água abaixo. Era foda como ele destruía o caminho construído com tanto esforço por conta de um cheiro. Mas o que um misero cigarro pode fazer? Afinal era só um. Que se tornaria em um maço, e depois ia virar o vicio renascendo e matando seus pulmões. Ela diria que ele não tinha jeito.
Amassou a porra do cigarro e jogou na lixeira, não ia destruir seis meses pelo cheiro dela, não iria adiantar mesmo, tinha que se manter calmo. Era só um cheiro, o melhor cheiro do mundo.
Deu risada ao lembrar que foi por causa do cheiro que tudo começou ‘‘that smell’’, era uma porcaria de xaveco, mas quem ligava? Funcionou, e isso era o que importava, ela estava naquele café parisiense da moda e ele de passagem pela calçada seguindo para o bar, para uma bela bebedeira com os amigos. Eram água e vinho. Ele água que passarinho não bebe, ela um belo Cabernet de ótima safra. Ela bem vestida, vestido fino e salto quinze, óculos escuros de grife e, sobretudo. Ele calça jeans ,tênis , camiseta de banda e uma jaqueta de couro surrada. Os deuses definitivamente adoravam brincar com as pessoas, ainda mais no inverno de Paris.
Ele disse por brincadeira: Comme tu sens bon mon amou (Como você cheira bem amor). Ela respondeu séria e elegante um seco: merci (obrigado). Mas ele era um cara de pau nato, nasceu pra fazer loucuras. Voltou e se apresentou, como o homem da vida dela, ela riu, ele insistiu, depois de muita insistência descolou o numero dela. A essa altura seu celular já tinha um milhão de ligações perdidas dos amigos, mas ele não estava ligando, tinha que conseguir mais sobre a garota chic que tinha um cheiro tão bom.
Cinco longos anos juntos depois do café, e agora só o fim e o cheiro dela restava. Saiu de sua sala, sorriu para a secretária e disse que iria almoçar, pelo horário estava mais pra café da tarde. Mas ele não se lembrava de coisas simples como comer desde que ela se fora. Colocou o paletó e foi para rua, caminhou a esmo e entrou no primeiro lugar que servia café que encontrou. Pediu o bom e velho expresso com um pouco de chantilly, sentou-se na parte coberta que dava acesso à rua.
Então percebeu que estava lá, no café parisiense, o amor era um cão do diabo mesmo, depois de dois anos, dois malditos anos sem nem se quer ver a mulher da sua vida. Ele estava lá, sentado na mesma mesa que a conheceu, e só se deu conta tarde demais. Já estava lá, e só se deu conta tarde demais, o cheiro dela já estava lá. Sorriu sem graça ao ouvir a voz doce e ao mesmo tempo autoritária de mulher dizendo: Que cheiro bom amor, hum e sem cigarros, quanta evolução. É verdade o que dizem as más línguas?  Que foi aqui, que você conheceu e reatou o casamento com a mulher da sua vida?

segunda-feira, 27 de maio de 2013

E os meus discos?




Já havia fumado seu ultimo cigarro, e agora só o gelo restava no copo de uísque. Era incrível como aquilo tinha se tornado um hábito. Tinha andado fora dos eixos desde que ela se fora, perder tudo que construiu de uma tacada só tinha feito seu mundo desmoronar. Ela tinha ido embora, e o pior levara seu cachorro consigo.
Caminhar pelo apartamento semi vazio o enchia de lembranças, a cabeça vivia latejando. Ela fugiu, ela sumiu levando seu cão, seus vinis e até alguns maços de cigarros e trocados que ele largara dentro do bolso de um paletó. Pelo menos deixara sua velha poltrona e um bilhete que dizia que nada era pra sempre. Ela conseguiu estragar uma música que ele amava.
Duas semanas nessa agonia, trabalho, adega para reabastecer-se de cigarros e álcool, casa.  Era uma rotina perigosa, estava começando a ficar judiado, as garotas da empresa já estavam começando a ficar preocupadas. Ele não era mais o “boa praça” que sorria o tempo todo, não fazia mais piadas. Apenas cumpria o seu dever, a barba não estava tão bem aparada como antes. Era um zumbi em um terno bem cortado, alimentado de café.
Levantou da poltrona com a boca amarga, precisava arejar a cabeça, precisava comprar cigarros. Colocou uma camiseta com o símbolo do Batman gravado no peito, calçou o All star e forçou o corpo a sair do apartamento, iria para o pub, ou pra qualquer lugar, não tinha um plano, só queria sair. Entrou na primeira padaria que encontrou e comprou café e cigarros.
De volta à rua, com a cara amassada e sem vontade de nada caminhou até um velho bar de jazz, sentou-se na mesa mais escura e pediu uma garrafa de Uísque, o bar era aberto, então poderia destruir os pulmões com a doce fumaça e ouvir uma boa música. Sentia falta de seus discos, sentia falta do cachorro, e diabos como sentia falta daquela maluca que o destruíra.
Por algum motivo as garotas sentadas na mesa mais próxima estavam flertando com ele, mas ele estava ali pra beber, estava ali pra destruir o resto de lucidez que ainda lhe restava, e não importava o quão as garotas eram lindas. Ele não queria sorrir e inventar histórias para ter um corpo quente aquecendo o seu aquela noite, então o melhor era ignorar o flerte e voltar ao álcool.
Abandonou o bar por volta das quatro da madrugada, mais bêbado que um gambá em um canavial. Refez o caminho para casa, parou na padaria, comprou mais três maços de cigarro e rumou sentido ao seu prédio. O porteiro lhe disse algo sobre volta, não conseguiu entender então só acenou com a cabeça e entrou no elevador. Só com muito esforço achou a fechadura, o apartamento estava cheirando bem, será que estava no seu apartamento?
Olhou para baixo e se surpreendeu ao ver o seu cachorro  brincando com seus cadarços . Ouviu ao longe a voz dela dizendo que ele ficava fora da linha longe dela. Por isso ela voltou, porque ela descobriu que o amava, porque ele precisava dela. Ela disse que ele deveria ter várias perguntas e que estava ali para responder a todas.
Realmente ele tinha perguntas, e ele começaria com a mais importante delas: Onde estão os meus discos?

sexta-feira, 29 de março de 2013

Pra Evoluir




Não que não seja triste, o fim sempre é, mas é que às vezes a gente cansa. Cansa de esperar a mudança, de esperar a atitude, o carinho, cansa de esperar até mesmo que o maldito telefone toque, seja atendido. Não que não se acredite mais no amor, essa raposa sempre estará lá, como um cão teimoso que arranha a porta de madrugada querendo entrar, querendo se esconder do barulho dos trovões.
Mas às vezes é preciso descobrir outras formas de amor, é preciso parar de namorar a secretária eletrônica e começar a ver gente. É preciso descobrir o amor próprio, ser narcisista nem sempre é ruim, em alguns casos, é até preciso, benéfico. É preciso andar na chuva, ouvir musica irlandesa, conversar sobre lindas garotas que nunca estarão ao seu alcance. Isso faz parte da evolução, você vai ter que aprender a ser o mandrová para conseguir se tornar borboleta.
Cortar laços e seguir em frente de peito aberto, disposto a tomar os tiros da vida, a toma-los sorrindo. Sentindo cada pancada com aquele sorriso que faz o mundo pensar: Esse aí é louco.  
O grande segredo da evolução é o casulo, é a força que você faz pra sair dele, o tempo que você gasta para criar asas e rasgar as paredes. No começo vai ser um voo desajeitado, todos os músculos vão doer, mas é aí que se encontra a beleza da coisa. É o saber que a dor valeu a pena, que o tempo mudou o mundo, que você não cometerá os mesmos erros.
Então meu amigo, sorria, desligue o telefone, rasgue as cartas de amor que não foram enviadas, vá pra rua, vá pra lua, sem guarda-chuva, sem hora pra voltar, ouça a música irlandesa, o blues, dance. No meio da rua, na chuva, cante uma canção alegre pra cada gota que vier lavar sua pele e alma. Deixe a evolução transbordar de cada poro de sua pele, deixe a mudança de atitude rasgar o casulo, liberar suas asas. Se entregue a vida, deixe ela se entregar a você. A mariposa que não se lança nas chamas nunca saberá o seus segredos.
Então, não me diga o que você está esperando. Vá e faça, assuma os riscos de ser feliz, e a vida se encarregará de te trazer o material para a sua jornada. E quanto ao telefone não atendido, a falta de atitude, ao fim de tudo que você era? Simples, se te fez mal, não vai fazer falta, se te fez bem, vai servir de bagagem, sempre vai fazer parte do pretérito. E depois que se sai do casulo, que se deixa de ser mandrová, não se tem tempo para lembrar-se do que se queria esquecer. Não se tem tempo para voltar, então só queime a ponte e siga em frente, até no caminho das pedras se podem encontrar lindas flores.

domingo, 10 de março de 2013

Manhã de Domingo




Era mais um dia comum, como tantos outros. Uma linda e preguiçosa manhã de domingo. Ele levantou mais cedo, deixou-a na cama, sonhando, murmurando baixinho durante o sono.  Ela resmungava coisas inteligíveis enquanto dormia. Ele ria, achava bonito, estranho, mas bonito. 

Saiu da cama com cuidado, não que ela fosse acordar, ela tinha um sono de pedra, se caísse um avião na casa ela não acordaria, no máximo resmungaria e voltaria ao sono dos anjos, mas ele tinha o costume de não fazer barulho. Movia-se como uma sombra só pra poder observa-la dormindo feito uma criança. 

Foi para a cozinha, a casa era pequena bem das verdades. Mas era aconchegante, era o que eles chamavam de lar, e tinha o cachorro, como poderia se esquecer do cachorro. Aquele pedaço mínimo de estopa branco encardido, que atendia pelo nome de Estopa. Um lindo vira-lata superativo que tinha adotado aquele casal tão atípico. Estopa literalmente os adotara, foi por causa dele que conseguiram a tal casinha apertada. 

Na cozinha colocou a água na chaleira e levou ao fogo, apanhou o café na lata e colocou quatro generosas colheres no coador. Estopa já estava a fazer festa aos seus pés, não adiantava, tinha que dar atenção para o cão, ele era o verdadeiro dono da casa. E como aquele dono era exigente, ficou pulando até que lhe pegasse no colo, era um ritual dominical, acordar cedo, fazer café, e brincar com Estopa. Apanhou o cãozinho e lhe deu um beijo no focinho, era o seu bebê, era o motivo de terem um canto deles. Depois de alguns afagos, colocou o bom garoto numa cadeira e voltou-se para a chaleira, ficou a observar o processo da água no coador divagando sobre como era viciado na bebida preta. 

Ela não era a maior das fãs de café, gostava mesmo era de suco, só tomava o pretinho quando queria espantar o sono.  Com ele já era diferente, gostava, amava café, puro, forte e sem açúcar. Mas era domingo, manhã de domingo, e ele sempre preparava o café da manhã, não por obrigação, por gosto mesmo. Gostava de levar o café na cama e acorda-la com uma canção. Ela vivia dizendo que ele, a deixava mal-acostumada, Estopa concordava. 

Preparou um suco, como sempre, um suco diferente, ele meio que a usava como cobaia para suas experiências culinárias. Desta vez, era laranja com morangos, adoçado com mel. Fez panquecas, e as cobriu com uma geleia que a mãe dela trouxe da ultima viajem a Ouro Preto. Adorava a sogra, ela era do tipo raro que paparica o genro, e sempre lhes trazia aqueles doces. Achava que gostava mais dos doces do que dela, Estopa concordava.

Deu um daqueles bifes caninos para o mascote, e se dirigiu para o quarto, com bandeja na mão, panquecas, mel, café, um bolo amanhecido, e o estranho suco. Pousou a bandeja aos pés da cama, pegou o violão, o violão que lhe ajudara a conquistar a sua garota, o velho violão, o que comprara antes mesmo dos quinze, o violão que achara num antiquário, um bom Fender, que lhe fora vendido a preço de banana. O violão que lhe fizera ganhar a atenção da ruiva sardenta e baixinha, que não dava bola pra ninguém. 

A garota que lhe fizera parar de fumar, aquela tampinha, que agora o chamava de meu pretinho básico. A mesma garota implicante, que agora dormia tranquila de bruços, tomando mais da metade da cama. Que lhe fizera adotar Estopa, porque ele os seguiu quando ainda namoravam. Porque quando pensaram em arrumar um canto deles, ele escapou da coleira e correu para a rua onde acharam a casa que hoje chamavam de lar. 

Era uma visão e tanto, olha-la ali de bruços, com a sua camisa do Led Zeppelin, (que na opinião dele ficava muito melhor nela), calcinha e camisa, a combinação perfeita, dormindo, despreocupada, alheia ao olhar guloso do seu pretinho básico. Aquilo o fez rir, serviu-se de um pouco de café para limpar a garganta, não que realmente isso fosse acontecer, mas era uma desculpa para tomar mais café. Verificou a afinação do violão, perfeita, incrivelmente perfeita, um violão com mais de trinta anos e ainda conservava um timbre inigualável. Tocou os primeiros acordes, e começou a cantar com sua voz rouca, começou a cantar uma das músicas favoritas dela.

“Hey, Jude, don't make it bad
Take a sad song and make it better
Remember to let her into your heart…”

 Ela acordou com aquele sorriso sonolento.  Estopa já estava na cama e como sempre o primeiro carinho foi para ele, ele sempre ganhava o primeiro bom dia, mas tudo bem. Fazia parte do seu ritual dominical. Ele sabia que também ganharia o seu afago, e ele ganhou. Ainda com cara de sono ela se sentou na cama, próximo a ele, para lhe ouvir cantando, com a voz rouca, para afagar a barba, com aquelas mãos pequenas, a barba que ela tanto gostava.

Cara, como ele gostava de ouvir a voz dela pela manhã, como ele gostava de ouvir, ela dizer: “Você está me acostumando mal. Café na cama, Beatles, voz rouca, depois não vai poder reclamar quando eu não quiser largar esse tipo de vida”.  Estopa concordou. Afinal ele tinha que concordar. Ele também adorava o ritual dominical, principalmente a parte em que lhe paparicavam. 

Ele apenas sorriu, e continuou embalando o café da manhã da sua pequena. Terminou a música, colocou o violão no chão. E foi compartilhar do café, achando graça de ver que ela estava lambuzada com a geleia das panquecas. 

Tomou um gole do café amargo, imaginando como seria bom ter um cigarro depois dele, lembrando de que parara de fumar porque encontrou algo mais viciante que a nicotina, que parou porque encontrou sua pequena, seu vicio, seu antidoto.

 Inclinou-se de forma inesperada, e roubou um beijo da boca cheia de geleia, um beijo de surpresa, um beijo que a fez corar. Um beijo que continuou por um longo período, um beijo que foi acompanhado por uma língua, uma língua que queria a língua dela, que queria a boca dela, que queria até a geleia que a lambuzava. 

O café terminou ali, não o amor. Beijaram-se, e se entregaram ao prazer da carne, da pele. Deixaram a libido falar por eles, e como falou, usaram o mel que não foi usado no café, usaram a boca para explorar o corpo um do outro. Para explorar a derme tão diferente que cada qual possuía. A derme que arrepiava. As peles, os jeitos, tão diferentes, mas tão iguais. 


Passaram a manhã na cama, sorrindo, amando-se, aproveitando a urgência do agora, do neste instante. Aproveitando que era uma manhã de domingo, que não tinham o compromisso de plantões, escritórios. Passaram a manhã na cama, sem hora para sair dela, tinham tudo que queriam, tudo o que precisavam, ali na casinha pequena, nos braços um do outro.

E ele, o ex-fumante, o pretinho básico, o cara atrapalhado de voz rouca, sentia-se bem, sentia-se voando. Ali, com ela, na cama, era tudo que ele precisava. Era tudo que ele gostaria de ter, a vida era simplesmente perfeita. Estopa concordava.