sexta-feira, 29 de março de 2013

Pra Evoluir




Não que não seja triste, o fim sempre é, mas é que às vezes a gente cansa. Cansa de esperar a mudança, de esperar a atitude, o carinho, cansa de esperar até mesmo que o maldito telefone toque, seja atendido. Não que não se acredite mais no amor, essa raposa sempre estará lá, como um cão teimoso que arranha a porta de madrugada querendo entrar, querendo se esconder do barulho dos trovões.
Mas às vezes é preciso descobrir outras formas de amor, é preciso parar de namorar a secretária eletrônica e começar a ver gente. É preciso descobrir o amor próprio, ser narcisista nem sempre é ruim, em alguns casos, é até preciso, benéfico. É preciso andar na chuva, ouvir musica irlandesa, conversar sobre lindas garotas que nunca estarão ao seu alcance. Isso faz parte da evolução, você vai ter que aprender a ser o mandrová para conseguir se tornar borboleta.
Cortar laços e seguir em frente de peito aberto, disposto a tomar os tiros da vida, a toma-los sorrindo. Sentindo cada pancada com aquele sorriso que faz o mundo pensar: Esse aí é louco.  
O grande segredo da evolução é o casulo, é a força que você faz pra sair dele, o tempo que você gasta para criar asas e rasgar as paredes. No começo vai ser um voo desajeitado, todos os músculos vão doer, mas é aí que se encontra a beleza da coisa. É o saber que a dor valeu a pena, que o tempo mudou o mundo, que você não cometerá os mesmos erros.
Então meu amigo, sorria, desligue o telefone, rasgue as cartas de amor que não foram enviadas, vá pra rua, vá pra lua, sem guarda-chuva, sem hora pra voltar, ouça a música irlandesa, o blues, dance. No meio da rua, na chuva, cante uma canção alegre pra cada gota que vier lavar sua pele e alma. Deixe a evolução transbordar de cada poro de sua pele, deixe a mudança de atitude rasgar o casulo, liberar suas asas. Se entregue a vida, deixe ela se entregar a você. A mariposa que não se lança nas chamas nunca saberá o seus segredos.
Então, não me diga o que você está esperando. Vá e faça, assuma os riscos de ser feliz, e a vida se encarregará de te trazer o material para a sua jornada. E quanto ao telefone não atendido, a falta de atitude, ao fim de tudo que você era? Simples, se te fez mal, não vai fazer falta, se te fez bem, vai servir de bagagem, sempre vai fazer parte do pretérito. E depois que se sai do casulo, que se deixa de ser mandrová, não se tem tempo para lembrar-se do que se queria esquecer. Não se tem tempo para voltar, então só queime a ponte e siga em frente, até no caminho das pedras se podem encontrar lindas flores.

domingo, 10 de março de 2013

Manhã de Domingo




Era mais um dia comum, como tantos outros. Uma linda e preguiçosa manhã de domingo. Ele levantou mais cedo, deixou-a na cama, sonhando, murmurando baixinho durante o sono.  Ela resmungava coisas inteligíveis enquanto dormia. Ele ria, achava bonito, estranho, mas bonito. 

Saiu da cama com cuidado, não que ela fosse acordar, ela tinha um sono de pedra, se caísse um avião na casa ela não acordaria, no máximo resmungaria e voltaria ao sono dos anjos, mas ele tinha o costume de não fazer barulho. Movia-se como uma sombra só pra poder observa-la dormindo feito uma criança. 

Foi para a cozinha, a casa era pequena bem das verdades. Mas era aconchegante, era o que eles chamavam de lar, e tinha o cachorro, como poderia se esquecer do cachorro. Aquele pedaço mínimo de estopa branco encardido, que atendia pelo nome de Estopa. Um lindo vira-lata superativo que tinha adotado aquele casal tão atípico. Estopa literalmente os adotara, foi por causa dele que conseguiram a tal casinha apertada. 

Na cozinha colocou a água na chaleira e levou ao fogo, apanhou o café na lata e colocou quatro generosas colheres no coador. Estopa já estava a fazer festa aos seus pés, não adiantava, tinha que dar atenção para o cão, ele era o verdadeiro dono da casa. E como aquele dono era exigente, ficou pulando até que lhe pegasse no colo, era um ritual dominical, acordar cedo, fazer café, e brincar com Estopa. Apanhou o cãozinho e lhe deu um beijo no focinho, era o seu bebê, era o motivo de terem um canto deles. Depois de alguns afagos, colocou o bom garoto numa cadeira e voltou-se para a chaleira, ficou a observar o processo da água no coador divagando sobre como era viciado na bebida preta. 

Ela não era a maior das fãs de café, gostava mesmo era de suco, só tomava o pretinho quando queria espantar o sono.  Com ele já era diferente, gostava, amava café, puro, forte e sem açúcar. Mas era domingo, manhã de domingo, e ele sempre preparava o café da manhã, não por obrigação, por gosto mesmo. Gostava de levar o café na cama e acorda-la com uma canção. Ela vivia dizendo que ele, a deixava mal-acostumada, Estopa concordava. 

Preparou um suco, como sempre, um suco diferente, ele meio que a usava como cobaia para suas experiências culinárias. Desta vez, era laranja com morangos, adoçado com mel. Fez panquecas, e as cobriu com uma geleia que a mãe dela trouxe da ultima viajem a Ouro Preto. Adorava a sogra, ela era do tipo raro que paparica o genro, e sempre lhes trazia aqueles doces. Achava que gostava mais dos doces do que dela, Estopa concordava.

Deu um daqueles bifes caninos para o mascote, e se dirigiu para o quarto, com bandeja na mão, panquecas, mel, café, um bolo amanhecido, e o estranho suco. Pousou a bandeja aos pés da cama, pegou o violão, o violão que lhe ajudara a conquistar a sua garota, o velho violão, o que comprara antes mesmo dos quinze, o violão que achara num antiquário, um bom Fender, que lhe fora vendido a preço de banana. O violão que lhe fizera ganhar a atenção da ruiva sardenta e baixinha, que não dava bola pra ninguém. 

A garota que lhe fizera parar de fumar, aquela tampinha, que agora o chamava de meu pretinho básico. A mesma garota implicante, que agora dormia tranquila de bruços, tomando mais da metade da cama. Que lhe fizera adotar Estopa, porque ele os seguiu quando ainda namoravam. Porque quando pensaram em arrumar um canto deles, ele escapou da coleira e correu para a rua onde acharam a casa que hoje chamavam de lar. 

Era uma visão e tanto, olha-la ali de bruços, com a sua camisa do Led Zeppelin, (que na opinião dele ficava muito melhor nela), calcinha e camisa, a combinação perfeita, dormindo, despreocupada, alheia ao olhar guloso do seu pretinho básico. Aquilo o fez rir, serviu-se de um pouco de café para limpar a garganta, não que realmente isso fosse acontecer, mas era uma desculpa para tomar mais café. Verificou a afinação do violão, perfeita, incrivelmente perfeita, um violão com mais de trinta anos e ainda conservava um timbre inigualável. Tocou os primeiros acordes, e começou a cantar com sua voz rouca, começou a cantar uma das músicas favoritas dela.

“Hey, Jude, don't make it bad
Take a sad song and make it better
Remember to let her into your heart…”

 Ela acordou com aquele sorriso sonolento.  Estopa já estava na cama e como sempre o primeiro carinho foi para ele, ele sempre ganhava o primeiro bom dia, mas tudo bem. Fazia parte do seu ritual dominical. Ele sabia que também ganharia o seu afago, e ele ganhou. Ainda com cara de sono ela se sentou na cama, próximo a ele, para lhe ouvir cantando, com a voz rouca, para afagar a barba, com aquelas mãos pequenas, a barba que ela tanto gostava.

Cara, como ele gostava de ouvir a voz dela pela manhã, como ele gostava de ouvir, ela dizer: “Você está me acostumando mal. Café na cama, Beatles, voz rouca, depois não vai poder reclamar quando eu não quiser largar esse tipo de vida”.  Estopa concordou. Afinal ele tinha que concordar. Ele também adorava o ritual dominical, principalmente a parte em que lhe paparicavam. 

Ele apenas sorriu, e continuou embalando o café da manhã da sua pequena. Terminou a música, colocou o violão no chão. E foi compartilhar do café, achando graça de ver que ela estava lambuzada com a geleia das panquecas. 

Tomou um gole do café amargo, imaginando como seria bom ter um cigarro depois dele, lembrando de que parara de fumar porque encontrou algo mais viciante que a nicotina, que parou porque encontrou sua pequena, seu vicio, seu antidoto.

 Inclinou-se de forma inesperada, e roubou um beijo da boca cheia de geleia, um beijo de surpresa, um beijo que a fez corar. Um beijo que continuou por um longo período, um beijo que foi acompanhado por uma língua, uma língua que queria a língua dela, que queria a boca dela, que queria até a geleia que a lambuzava. 

O café terminou ali, não o amor. Beijaram-se, e se entregaram ao prazer da carne, da pele. Deixaram a libido falar por eles, e como falou, usaram o mel que não foi usado no café, usaram a boca para explorar o corpo um do outro. Para explorar a derme tão diferente que cada qual possuía. A derme que arrepiava. As peles, os jeitos, tão diferentes, mas tão iguais. 


Passaram a manhã na cama, sorrindo, amando-se, aproveitando a urgência do agora, do neste instante. Aproveitando que era uma manhã de domingo, que não tinham o compromisso de plantões, escritórios. Passaram a manhã na cama, sem hora para sair dela, tinham tudo que queriam, tudo o que precisavam, ali na casinha pequena, nos braços um do outro.

E ele, o ex-fumante, o pretinho básico, o cara atrapalhado de voz rouca, sentia-se bem, sentia-se voando. Ali, com ela, na cama, era tudo que ele precisava. Era tudo que ele gostaria de ter, a vida era simplesmente perfeita. Estopa concordava.